Dieguito, um mito
É absurdo, às vezes. Entre as classes mais intelectualizadas nem tanto, nem entre os pequenos que o consideram um zé droguinha gordo. Mas o sentimento do povão argentino por Maradona é indescritível. Um dos maiores símbolos da Argentina, o cara que na mesma partida fez o que foi chamado de Gol do Século e um gol com a mão que até hoje é ovacionado (enquanto argentinos e ingleses se batiam nas arquibancadas, 4 anos depois das Malvinas), é um dos principais responsáveis pela fama de marrentos e fanfarrões dos hermanos. Muitos falam dele com o olho brilhando, saudosos e orgulhosos no melhor estilo “Era Zico”, e bandeiras estampam seu rosto nos estádios.
vitrine com maradonices, e ´Algun dia le contarás a tus hijos que le viste jugar´
Sempre agiu como quis, sendo um dos mais ferrenhos críticos de dirigentes e políticos envolvidos com o mundo da pelota aqui na Argentina. Teimoso e determinado, jogou diversas vezes lesionado, escolheu atuar no endividado Boca Juniors do início da década de 80, jogou e viajou várias vezes pela seleção sem autorizaçao da direção de clubes, e construiu assim uma empatia única entre futebolista e torcida. Hoje como técnico da seleção, faz birra (apesar de negar) pra nao jogar no estádio do River Plate (cuja camiseta afirmou que é a única que nao vestiria, na época do comercial do Guaraná onde aparece com a amarelosa ), e consegue mudar o jogo de cancha, sendo apoiado por muitos. Estabeleceu, com atitudes firmes (e quase ignorantes) sua faceta mais admirada: uma paixao incondicional e autêntica ao esporte.
Mas a partir do início dos noventas não conseguiu mais. E tendo uma carreira desportiva grandíssima, grande -e triste- foi também sua decadência, o caminho de “barrillete cósmico” para “gordón drogadicto”. Se negou então a ser exemplo, disse que não tinha que ser referencia pra ninguem. Mas já não havia volta, sua imagem já transcendia seus atos. O Maradona lembrado e comentado em kioscos por aqui, vai estar sempre passando no meio de cinco ingleses e cantando o hino orgulhoso na Espanha. A comparação com Pelé é pífia. Nosso povo deixou de gastar palavras para provar que Pelé é o melhor de todos os tempos. É e ponto.
até parece
Mas Maradona foi além de Pelé junto ao povo de seu país. Se existe comparação possível com algum brasileiro, talvez (perdão, gente) com o Senna. O argentino pobre que conquistou o mundo se transformou em símbolo, inverteu a lógica, humilhou os ingleses, cartolas, técnicos e adversários, disparou espingardinha de pressao em jornalista, e hoje é brother do Chavez e do Fidel. Virou mito, com sua competência futebolística e com sua língua afiada, uma sempre dando respaldo à outra.
Maradona x Pelé. Pelé x quem?
Essa discussão até pode ser velha. Mas, rivalidade futebolística hoje em dia só existe mesmo do outro lado da fronteira. É impressionante como às vésperas do jogo contra os maiores rivais do futebol brasileiro, pouco se comentou sobre o tal “super confronto”. A seleção de Dunga não empolgava, e não era assunto. Era dia de jogo e a partida do Palmeiras no nacional chamou mais atenção. Não adianta: hoje, o campeonato brasileiro empolga muito mais, mexe com verdadeiras paixões e, principalmente, é imprevisível.
Não que todos não estivessem na frente da televisão na hora do jogo da seleção (e comemorando muito). Não também que todos tivessem a certeza da vitória brasileira, mas antes era como se qualquer resultado fosse normal. Caso perdesse, “ok, o jogo era lá mesmo”. Caso ganhasse, “ok também, eles são fregueses faz tempo”.
Por aqui a rivalidade entre brasileiros e argentinos já não está mais no futebol, passou para outro estágio, um estágio muito menos saudável por sinal. Não gostamos dos hermanos, mas pelo simples fato de terem nascido lá, o futebol deixou de ser desculpa, o aval social não é mais necessário, o preconceito virou algo irracional e sem propósito.Como brasileiros, não negamos gostar de ver a desgraça do vizinho. E, se existe uma pessoa que contribuiu muito para isso, ela é o Maradona. Uma figura mitológica que consegue estereotipar toda uma nação, não por acaso, e não injustamente, já que falamos de uma nação orgulhosa disso.
tinha feito intensivo com a Vanusa
Nosso passado (e presente) nos garante em qualquer discussão sobre futebol, seja com argentinos, seja com qualquer outra nação. E com isso, a seleção deixou de ser assunto, a rivalidade passou a ser local e o preconceito se mostrou gratuito.
PS: Sim, muitos argentinos estavam no Gigante de Arroyito no último sábado por causa do Maradona, e não de Messi ou Kaká. E sim, ele será perdoado, mesmo que a Argentina não vá nem pra repescagem.